Tilikum


Silvana Righi

Caro Tilikum,

Cá estou te escrevendo essa mensagem póstuma, na verdade estou aqui para assumir meus erros, querido Tili. Sinto tristeza e culpa. Como se com minhas próprias mãos eu tenha te arrancando da terra da Björk. Quanta dor sinto eu, espero que você não sinta mais.

Tili, eu não sei quando eu te conheci, quando dei por mim eu já estava fascina com essa mistura de preto brilhante e um branco tão branco. Acho que deve ter sido entre 1995 ou 1996. Pois bem, eu não sabia o seu nome. Passei grande parte da minha vida achando que você era fêmea e se chamava Shamu. Como eu amava a Shamu. O copo da Shamu, a Shamu de pelúcia dentro de um copo, a Shamu inflável e o adesivo reluzente da Shamu que ficava no vidro do quarto da minha madrinha. Quantas lembranças, Shamu, quer dizer, Tilikum.

Você fez parte da minha infância, você me conectou com as minhas tias e com a Flórida. Água, como eu gosto de água. E se você aparecesse na piscina? Naquela sombra do fundo de uma piscina qualquer. Eu poderia ser treinadora? Eu me equilibraria em você? Eu ficaria bem com uma malha justa?

Nos conhecemos pessoalmente em 2007. Eu não lembro direito. Eu estava dopada, dopada de Dramin. Mas olha que coincidência, Tili! Nós dois dopados no SeaWorld. Eu dormi. Eu dormi durante o seu pesadelo. Eu sei que era você porque reconheço a sua barbatana dorsal caída nas minhas poucas fotos.

Soube da sua história quando eu já era adulta, quando eu me permiti enxergar que aquela boca aberta com tantos dentes não era um grande sorriso. Você nunca sorriu. Mas você me fez sorrir. No meu imaginário infantil você era feliz, você sorria, você sorria pra mim. Você, na sua barbatana torta, carregou minha doce infância.

Como lamento, pobre Tili. Lamento por você, lamento por todas mães e filhos que foram separados, de qualquer que seja a espécie. A água hoje não é do tanque, a água hoje são das minhas lágrimas contidas por tantos anos, mas não tem perigo de eu me afogar nessas águas salgadas que escorrem pelo meu rosto. O ser humano é muito raso para se permitir afogar.

Me desculpa, Tili.

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Silvana Righi

E-mail: righilealsilvana@gmail.com

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