Faz o J


Silvana Righi

Uma, duas, três guerras, peste negra, febre amarela, grande depressão, Tsunami, fome e tantos outras mazelas que afetaram a humanidade. Nada fez ele voltar. Não que não fosse desejado, ou até mesmo prometido. A verdade é que sempre tinha uma coisa ou outra e a vinda do Salvador acabava sendo procrastinada. Quase como aquela segunda-feira que você prometeu começar academia, mas foi adiando para próxima. E nada. Jesus não é Jó, a paciência dele tem limite e nós, reles mortais, sabemos como encher o saco de alguém. Eram corrupções com dízimos, lotes no céu que foram vendidos, goteira que pingou em cima de algum crucifixo e pronto. O nome do Senhor já tinha sido dito em vão.

Mas tudo mudou quando as preces da Dona Vilma foram atendidas. Ela, católica fervorosa, dizimista fiel, conseguiu que ele voltasse. A causa era muito nobre, Dona Vilma aclamava por um milagre. Com tanta fé, ela pedia que Pedrinho, seu único e amado filho, passasse no concurso da prefeitura. As coisas estavam tediosas lá pelas bandas celestes, então o filho de Deus voltou. Veio para o Brasil. Sem vestes brancas, mas com aquele cabelo que todo mundo conhece, uma barba meio hipster, um par de All Star surrado e uma blusa tie dye. Deem graças. Ele voltou.

JC resolveu que estava na hora do mundo saber quem realmente ele era. Um cara simples que pregava paz e amor. A humanidade ficou chocada, ninguém acreditou naquele rapaz que parecia ter saído de uma estrada californiana dos anos 70. A mídia noticiou que um suposto homem estava afirmando ser Jesus. Entrevistas com psicólogos explicando os perigos do delírio místico. Pastores, padres e freiras mostravam sua indignação com essa heresia que não saia da boca do povo.

O Salvador precisava de um contato estreito com as pessoas, precisava passar A Palavra para seus irmãos. Pensou em fazer um canal no Youtube, mas achou que isso já estava meio ultrapassado, Reels no Instagram não davam views, optou pelo TikTok. Fez vídeos falando sobre a importância de amar o próximo, de compartilhar, igualdade social e segundas chances.

Bateu na porta da Dona Vilma, ela não acreditou. Achou que era algum rapaz do DCE da faculdade federal querendo alguma coisa ou o cara que vende miçanga no centro. Jesus seguiu com seu proposito e pediu para falar com Pedrinho. Não, ele não fez nenhum milagre, nem colocou o nome do filho de Dona Vilma na lista de aprovados. Ele tentou ir pelo diálogo. Falou que o menino precisava tomar jeito, fazer menos festa e estudar mais. Pedrinho não deu ouvidos.

Fazia duas semanas que Jesus estava na sua jornada terrestre, sua conta no TikTok tinha bem mais que 12 seguidores. Nos vídeos ele falava sobre redenção, sobre oportunidades para as minorias, divisão igualitária de bens e perdão. Perdoar até aqueles que já nos levaram o celular na parada de ônibus. O seu fã clube não era grande, mas era devoto. A maioria eram jovens que se identificaram com a fala que era proferida. Resolveram por em pratica os ensinamentos de Cristo. A atual família tradicional brasileira formada por bons costumes e devoção religiosa condenou o Messias. Mais um comunista.
– Se alguém lhe roubar, faz o J – exclamavam as pessoas de bem.

Eles afirmavam que o cabeludo, aquele que quase ninguém “levou fé”, e que falava tanto no amor e no respeito, queria acabar com a sociedade. Jesus entendeu o porquê de nunca ter voltado antes para a Terra. Primeira e ultima vez. O mundo estava perdido. Jesus foi cancelado.

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Silvana Righi

E-mail: righilealsilvana@gmail.com

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